A crescente demanda por água em diferentes setores e a necessidade de aprimorar a gestão dos recursos hídricos levaram à escolha da temática do projeto pelo Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Jacutinga e Bacias Contíguas, elaborado e executado pela Entidade Executiva Universidade do Contestado (UNC), por meio do Edital Público nº32/2022 da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) em conjunto com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Economia Verde (SEMAE). Seu objetivo central foi estimar o potencial de arrecadação pela cobrança pelo uso da água, identificando os setores e usuários significantes de recursos hídricos das Bacias Hidrográficas de estudo, aplicando os valores utilizados em modelos de cobrança consolidados no território brasileiro.
A cobrança pelo uso da água, é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal 9.433/1997). Representa um mecanismo estratégico e fundamental para a gestão integrada e racional dos recursos hídricos. Tem por objetivos:
I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;
II - incentivar a racionalização do uso da água;
III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.
A cobrança, não pode ser interpretada como imposto público, e sim como o pagamento pelo uso de um bem público, o qual sobre tudo, visa ordenar e incentivar boas práticas de conservação e eficiência em seu uso.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas, representados por instituições que compõem os segmentos Usuários de Água, Órgãos da Administração Estadual e Federal e População da Bacia, desempenham um papel fundamental na implementação e acompanhamento da cobrança. São eles os responsáveis por definir os mecanismos, critérios e valores de cobrança, bem como acompanhar a aplicação dos recursos arrecadados. Além disso, os comitês devem garantir a participação da sociedade civil nos processos decisórios, promovendo a transparência e a legitimidade das ações. Para garantir a participação da sociedade civil, os comitês de bacia podem realizar consultas públicas, audiências públicas, oficinas de discussão e criar canais de comunicação com a população.
A implementação da cobrança na bacia do Jacutinga representa uma oportunidade única para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos e promover o desenvolvimento sustentável da região.
O projeto visa preencher essa lacuna, utilizando dados consolidados para identificar os principais usuários e estimar cenários de arrecadação com base em modelos aplicados em outras bacias do território.
O Contexto do Território e do Projeto
A Bacia Hidrográfica do Rio Jacutinga e Bacias Contíguas é um território que abrange 19 municípios do oeste catarinense, sendo eles: Água Doce, Alto Bela Vista, Arabutã, Arvoredo, Catanduvas, Concórdia, Ipira, Ipumirim,Irani, Itá, Jaborá, Lindóia do Sul, Ouro, Paial, Peritiba, Presidente Castelo Branco, Seara, Vargem Bonita e Xavantina
As Bacias Hidrográficas e os respectivos municípios abrangidos pelo Comitê Jacutinga são berço histórico de agroindústrias e de produção animal, em especial suínos e aves, e em um cenário mais recente, a de produção de gado de leite. Segundo estudos realizados por Leão (2024), que estimaram a demanda hídrica para a criação animal na área de estudo, o setor é responsável por 24% dos suínos, 18% dos frangos e 5% do rebanho de gado produzidos e abatidos no Estado de Santa Catarina. Atualmente, a demanda por água é de aproximadamente 4.446 L/s, podendo chegar a 11.999 L/s em um cenário de longo prazo (2037). Esses dados evidenciam a importância estratégica e a urgência de discutir a implementação da Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos, com o objetivo de garantir o uso sustentável e a preservação desse recurso essencial.
O intuito do projeto é aprimorar e subsidiar as discussões do Comitê em torno da temática de cobrança e do potencial de arrecadação para as Bacias Hidrográficas estudadas, bem como, contribuir metodologicamente e na identificação dos usuários significantes dos recursos hídricos (superficial e subterrâneo), os quais podem respaldar futuros esforços de atualização do Plano de Recursos Hídricos e/ou de implementação deste importante instrumento no território.
Ressalta-se que conforme a Meta VI do Objetivo Estratégico IV do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), o estado de Santa Catarina tem prazo até o ano de 2027 para implementar o instrumento de cobrança pelo uso dos recursos hídricos em ao menos uma bacia piloto. Portanto, a temática além de estratégica é emergente, pois em breve será posta em prática no Estado, sendo que a antecipação das discussões a nível de território e Comitês de Bacias, tornam-se primordiais para o amadurecimento e desmistificação do tema.
Passos Metodológicos e Resultados
As informações dos usos de água superficial e subterrânea e setores usuários das Bacias Hidrográficas do Rio Jacutinga e Bacias Contíguas foram extraídos do Cadastro Estadual de Usuários de Recursos Hídricos (CEURH) e do Sistema de Outorga de Uso da Água de Santa Catarina (SIOUT), os dados foram tratados, analisados e sistematizados conforme seus setores e usos significantes.
Os critérios de usos significativos de uso dos recursos hídricos são estabelecidos pela legislação estadual, definidos para as águas superficiais a Portaria da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável - SDE nº35/2006 admitindo a captação de até 1m³/hora e para água subterrânea respaldando-se pela Resolução do Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CERH nº50/2014 até 5m³/dia.
Com os setores e usos das águas identificados, foram aplicados os valores de tarifas de modelos de cobrança consolidados no país, o qual respaldou-se na Resolução da Agência Nacional de Água e Saneamento (ANA) nº172/2023, relacionando uma tarifa de custo alto, médio e baixo, respectivamente, os rios Doce, Paraíba do Sul e São Francisco.
Com base nos cadastros de usuários e legislação normativa de uso, foram identificados 1.982 usuários significantes de água, oriundos de cinco setores, sendo que 61% representa a água requerida para o setor de criação animal, 19% industrial, 15% outros usos e 3% abastecimento público. Ao todo os usuários significantes das Bacias Hidrográficas de estudo demandam 355 milhões de metros cúbicos ano de água.
Das tarifas cobradas para os rios de domínio da união, respaldados pela resolução ANA, foram utilizadas a de valor maior com R$0,0627 o metro cúbico de água bruta captada, seguido pela do rio Paraíba do Sul de valor mediano R$0,0308 e a de menor valor a do rio São Francisco com R$0,0158 centavos. Ao aplicar as tarifas destes rios com a quantidade de água requerida pelos usuários da Bacia do Rio Jacutinga e Bacias Contíguas, chegou-se em R$22.260.043,22 com a projeção de maior tarifa, R$10.945,249,30 para de valor médio e R$5.609.640,88 de menor tarifa.
Impactos e Considerações
O estudo revelou um potencial significativo de arrecadação financeira com a implementação do instrumento de cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Entre os usuários da bacia, a criação animal se destacou pela maior participação, acompanhada pela indústria.
A estimativa buscou subsidiar as discussões do Comitê Jacutinga e sociedade em geral, baseada em valores de referência nacional, proporcionando uma base inicial para discussão dos diferentes mecanismos, medidas e valores que podem ser adotados, afim de implementar a política pública, cumprindo com o papel e objetivo na qual foi criada, sem impactar os setores e economia.
Ainda os resultados gerados fortalecem a capacidade de planejamento e gestão da bacia, oferecendo subsídios práticos para a viabilização e implementação deste importante instrumento que permitirá a ampliação de ações em prol a bacia hidrográfica e as populações residentes.
Contudo, o sucesso da implementação da cobrança depende de um diálogo ativo entre os diferentes setores representados no Comitê. Campanhas de sensibilização e atualização cadastral são essenciais para garantir que os dados reflitam a realidade de uso e potencializem a arrecadação de forma equitativa.
Além da arrecadação financeira, espera-se que o instrumento a partir de implementado, estimule práticas mais conscientes e sustentáveis no uso da água, contribuindo para a preservação dos recursos hídricos e para o fortalecimento da governança na bacia. A transparência e a participação social serão fundamentais para consolidar esse modelo como referência para outras regiões.