Comitê de Gerenciamento Bacia Hidrográfica do 

Rio Itajaí

CONSULTANDO OU COZINHANDO OS SAPOS: Ação do cidadão nas intervenções holandesas de gestão de inundações (Jeroen Warner)

23/03/2018

Por Noemia Bohn


 

No dia 27/2/2018, ocorreu no auditório da biblioteca da FURB o “Seminário Internacional sobre Experiências de Gestão de riscos Hidrológicos: medidas estruturais e não-estruturais”. A realização do Seminário faz parte do cronograma de trabalho estruturado pela Câmara de Assessoramento Técnico (CAT) do Comitê do Itajaí, para discussão e análise do “Projeto de prevenção de desastres na Bacia do rio Itajaí”, proposto pela Secretaria Estadual de Defesa Civil, especificamente no que tange às obras de melhoramento fluvial.

 

O Seminário contou com a participação dos seguintes palestrantes: Marcelo Fernandes (Consórcio Prosul/Geoenergy - Brasil), Jeroen Warner (Holanda), Sevilay Topcu (Turquia), Robert Coates (Reino Unido) e Sandra Irene Momm Schult (UFABC – Brasil).

 

Neste artigo, pretendo apresentar de forma sucinta, alguns aspectos abordados na palestra de Jeroen Warner que é Mestre em Relações Internacionais na Universidade de Amsterdam e PhD em Estudos sobre Desastres na Universidade de Wageningen, ambas da Holanda. Tem desenvolvido pesquisa na área de governança e políticas públicas de prevenção de inundações, uso do solo, alimentação (água virtual) e energia. Atua como docente na Universidade de Wageningen junto ao Grupo de Estudos de Desastres, e seu projeto mais recente envolve os diálogos que avaliam e desenham estratégias de resiliência social em comunidades locais em Kalimantan, na Indonesia e Pando, na Bolívia em projeto apoiado pela Comunidade Europeia e coordenado pela organização humanitária Care Netherlands.

 

Jeroen iniciou sua palestra afirmando que os holandeses têm orgulho de morar num País abaixo do nível do mar e ainda estarem com os pés secos. Porém deixou claro, que esse foi um problema que eles criaram para si mesmos, a partir do momento em que começaram a drenar a terra para utilizá-la na agricultura e a extrair a turfa para gerar energia. Estas atividades causaram o rebaixamento do lençol freático com a consequente subsidência do solo que passou a ficar abaixo do nível do mar. Foi preciso desenvolver muita tecnologia para manter a terra seca por meio de diques e moinhos, e aos poucos essa tecnologia foi se tornando mais complexa e envolvendo mais pessoas. De forma que,no Século XIII, foram criados conselhos de administração da água para gerir tal infraestrutura, que são vistos como as primeiras organizações democráticas da Europa.

 

Assim como os comitês de bacia hidrográfica no Brasil, nem todos os conselhos de administração da água são iguais, uns com mais poder e recursos que outros, porém são um espaço onde os múltiplos atores têm voz. Se no Brasil, a unidade de gestão de recursos hídricos é a bacia hidrográfica, na Holanda a unidade de gestão são os anéis de dique, que formam cerca de 4 mil setores de gerenciamento. A ideia é envolver estes setores de administração, porque a gestão da água deve ser feita por todos, uma vez que o risco de se afogar é comum. Este fato, dá uma exata noção da interdependência do problema, bem como, da busca de soluções.

 

Como grande parte da população não habita sesses setores de administração da água, elas se sentem afastadas dos conselhos, por isso, é um desafio envolve-las no processo de tomada de decisão.

 

Em 1953, houve uma grande inundação na Holanda que causou a morte de aproximadamente 1.800 pessoas. Após esse evento os engenheiros decidiram quais medidas a serem tomadas e quais diques deveriam ser derrubados sem consultar ninguém. Como nos 40 anos seguintes não houve mais nenhuma grande inundação, eles assumiram uma certa arrogância na gestão de riscos e não admitiam se falar sobre incertezas. A visão predominante era: - Nós somos engenheiros holandeses, nós estamos no controle. O que mudou tal perspectiva foram as alterações climáticas e a possibilidade de os diques colapsarem em virtude de sobrelevação das ondas, macro instabilidades, processos erosivos acentuados e infiltração. Portanto, os diques podem falhar mesmo com o melhor design. A grande inundação de 1953 evidenciou a fragilidade do plano de evacuação da época.

 

A partir de 1980, não era mais aceitável colocar grandes diques de concreto para proteger as vilas. Os diques passaram então a ser mais verdes e a se inserir na paisagem, passou-se a aceitar mais riscos e admitiu-se que nem todas as áreas devem ser 100% defendidas das inundações. Atualmente, os fazendeiros estão aceitando trabalhar em áreas onde o risco de inundação é 1 para 25, uma vez que eles podem ser compensados por isso. Em 1992, foi elaborado um ótimo plano de evacuação e foram construídas elevações artificiais onde as casas podem ser construídas e os rebanhos podem pastar.

 

Segundo Jeroen, não devemos colocar a gestão das inundações nas mãos dos sociólogos se quisermos ficar com os pés secos. Mas também, não devemos confiar cegamente na tecnologia, pois com isso perdemos a percepção do risco de inundação. Qualquer estrutura pode falhar. E os engenheiros holandeses não sabem o que dizer quando ocorre uma falha estrutural.

 

De acordo com Jeroen, seus alunos entram em pânico quando ficam um dia sem internet. Esse é o maior desastre que eles podem imaginar.  Esse fato, pode ser bem uma medida para verificar o quão seguro são os países baixos. No entanto, existem outros tipos de desastres na Holanda, terremotos ao norte e instabilidades em virtude da extração de gás. Até agora não houveram mortes, mas de novo, trata-se nesse último caso, de um desastre autoinfligido.

 

A filosofia atual de gestão de riscos de inundação nos países baixos, passou a ter um significado mais amplo, passando a ser considerado como um desastre territorial. As medidas de prevenção acontecem inicialmente por meio dos diques, porém como estes podem falhar, há que se ter medidas para administrar o uso do solo e em sendo tais medidas ineficazes há que se recorrer aos planos de evacuação. Porém, não é possível evacuar 5 milhões de pessoas, eles não estão preparados para isso. Surge então um paradoxo, não se avança na administração dos riscos de inundação, pois os holandeses acreditam que estão totalmente seguros. Porquê investir em algo que nunca vai acontecer?

 

A partir de 1980 muitos engenheiros civis e ambientais estão trabalhando juntos e chegando a proposições criativas, voltadas à renaturalização dos rios. Passou-se a dar espaço para o rio, restaurar seus meandros e criar bacias de retenção. Ao invés de liberar a água o mais rápido possível, a meta é retê-las para utilizá-las na irrigação. Apesar desses avanços, é difícil introduzir o conceito de biodiversidade, uma vez que os holandeses estão acostumados a uma natureza domesticada. Jeroen, afirmou que ficou impressionado com os ambientes naturais no entorno de Blumenau e ficou com inveja desses ambientes intocados, uma vez que na Holanda, 97% das áreas úmidas foram totalmente destruídas, e o que está sendo recuperado é uma parcela muito pequena do território.

 

Atualmente, a Holanda vem estimulando o funcionamento de pequenos comitês, como os comitês de bacia no Brasil. As pessoas que participam desses comitês não são pessoas comuns, são profissionais, lobistas e grupos de consumidores. As administrações locais ficam surpresas quando estes comitês interferem nos projetos de planejamento. Existe uma tendência de evitar a politização nesse tipo de planejamento, de forma que somente se coloca na agenda temas livres de conflito. Porém, isso significa evitar os problemas reais que afetam a população local. Vale a máxima expressa por um engenheiro francês: - Você não consulta os sapos quando vai drenar um brejo. Assim, para Jeroen, melhor então é ligar o aquecimento para que os sapos pulem foram. Para Jeroen, consulta popular é o direito de dizer não. Os oponentes olham o projeto inteiro à busca de falhas e quando acham alguma, entram com recursos que podem durar anos. Por isso, o melhor é consultar as pessoas desde o início, mesmo que elas não gostem do projeto. Mesmo que não possam mudá-lo, é importante que as pessoas possam propor e dar a sua opinião.

 

Finalizou, comentando que criar comitês com profissionais de diferentes áreas de formação e efetuando constantes feedback sociais é a única forma de ter um planejamento participativo.

 

Que a narração desta experiência da gestão de inundações na Holanda possa servir de motivo para reflexão dos integrantes do Comitê do Itajaí e contribuir para melhoria do processo participativo de gestão de recursos hídricos.

 

 

 

 

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